Marli Sarcinelli Capp
Resumo:
O
objetivo deste estudo é fazer uma reflexão sobre a visão que os educadores têm
do conhecimento profissional, que ainda é visto como a transferência de
informação e a aprendizagem, como armazenamento dessas informações. A
resistência do sistema educacional em aceitar a nova realidade, em que a ideologia,
valores e ética tradicionais precisam ser revistos é muito forte. Já se tonou unanimidade
a questão da inadequação do ensino, em seus diversos níveis, ante as
necessidades de trabalho. Também tem sido objeto de constante questionamento a
qualidade do Ensino Superior. Com a globalização da economia, a universalização
dos bens culturais , o advento das novas tecnologias, a formação do
profissional competente e dinâmico para
o mercado do absoluto, não poderá mais ser pensada nos modelos tradicionais. Sabe-se também que, em
decorrência desses fatores, uma profunda mudança das pesquisas em formação
inicial e continuada está ocorrendo, quer seja de ordem política, pedagógica ou
institucional. Inclui-se aí, o modelo ideológico, o tipo de conteúdo curricular
e a sua falta de proporcionalidade com o conhecimento, diante de tantas e tão
rápidas mudanças no mundo do trabalho.
Tratando dessa dicotomia, Schön afirma
que o currículo normativo das escolas, acaba por excluir a possibilidade de
aplicação de um ensino prático reflexivo. Quanto o autor emprega o termo
profissional, ele o faz envolvendo todas as profissões. Daí sentir-se a
necessidade de um estudo mais voltado para a área da educação o que se foi
buscar em Perrenoud, que trata
especificamente da prática reflexiva no ofício de professor. No decorrer
deste estudo pôde-se também comprovar que a prática reflexiva pode e deve ser
usada na Educação à Distância, onde há necessidade de se intensificar a
interação professor x aluno e aluno x aluno dado às peculiaridades da clientela
e também do domínio da tecnologia.
Palavras-chave: reflexão, conhecimento profissional,
currículo, resistência.
Abordando a crise de confiança no conhecimento
profissional Schön faz uma comparação: compara a prática profissional, que não
atende às necessidades da sociedade e dos alunos, com uma prática comprometida no
atendimento dessas necessidades.
Na topografia irregular da prática profissional, há um
terreno alto e firme, de onde se pode ver um pântano. No plano mais elevado,
problemas possíveis de serem administrados prestam-se a soluções através da
aplicação de teorias e técnicas baseadas em pesquisa. Na parte mais baixa,
pantanosa, problemas caóticos e confusos desafiam as soluções técnicas. A
ironia dessa situação é o fato de que os problemas do plano elevado tendem a
ser relativamente pouco importantes para os indivíduos ou o conjunto da
sociedade, ainda que seu interesse técnico possa ser muito grande, enquanto no
pântano estão os problemas de interesse humano. O profissional deve fazer suas
escolhas. Ele permanecerá no alto, onde pode resolver problemas relativamente pouco
importantes, de acordo com padrões de rigor estabelecidos, ou descerá ao
pântano dos problemas importantes e da investigação. Não rigorosa ?
O
dilema abordado por ele tem duas origens:
1ª- A ideia de um
conhecimento profissional rigoroso, baseado na racionalidade técnica.
2ª-A consciência de zonas
de prática pantanosas e indeterminadas, que estão além daquele, conhecimento.
Para
ele os verdadeiros profissionais são aqueles que solucionam problemas
instrumentais, selecionando os meios técnicos mais apropriados-profissionais que
solucionam problemas instrumentais claros, através da aplicação da teoria e da técnica derivadas do
conhecimento sistemático, de preferência científico.
Para exemplificar, o que pretende dizer,
o autor afirma que nos últimos anos, o problema da prática do mundo real não se
apresenta aos profissionais com estruturas bem-delineadas. Eles tendem a não se
apresentar como problemas, mas na forma de estruturas caóticas e
indeterminadas. Ele cita o fato de que engenheiros civis, que sabem como
construir estradas adequadas a certos lugares e especificações, que se valem de
aclives, declives, conhecimento do solo, materiais e tecnologias de construção,
etc. Mas quando é necessário decidir qual estrada construir, o problema não é
passível de solução só pela aplicação do conhecimento técnico, nem mesmo pelas
técnicas sofisticadas das teorias da decisão. Eles enfrentam uma mistura
complexa e mal definida de fatores: topográficos; financeiros; econômicos; ambientais
e políticos. Se quiserem obter um problema bem-formado, adequado às teorias e
às técnicas que lhe são familiares, eles devem construí-lo a partir dos
materiais de uma situação, que é problemática. E o problema da definição de
problemas não é bem definido.
Quando um profissional define um
problema, ele escolhe e nomeia os aspectos que irá observar. Ao construir
estradas, o engenheiro civil pode observar a drenagem, a estabilidade do solo e
a facilidade de manutenção, sem observar os efeitos diferenciais que essa
estrada terá nas economias das cidades que estão ao longo de seu percurso.
Através de atos complementares, o
profissional seleciona fatos aos quais deverá se ater e os organiza guiado por
uma apreciação da situação, que dá a ela coerência e estabelece uma direção
para a ação. E assim ele exemplifica outras situações com agrônomos, epidemiologistas,
nutricionistas, etc.
É importante ainda lembrar que às vezes uma
situação problemática apresenta-se como um caso único. Uma médica reconhece um
conjunto de sintomas, mas não consegue associá-los a nenhuma doença conhecida.
Uma
professora de matemática, ao ouvir a pergunta e uma criança, conscientiza-se do
tipo de confusão mental que está ocorrendo e, ao mesmo tempo, de um tipo de
compreensão intuitiva para a qual ela não tem qualquer resposta disponível. É
porque o caso único transcende as categorias da teoria e da técnica existentes.
O profissional não pode tratá-lo como um problema instrumental a ser resolvido
pela aplicação de uma das regras do seu estoque de conhecimento profissional.
Schön vê um distanciamento da teoria e da prática,
onde e privilegia o saber acadêmico em detrimento do saber prático. É preciso pensar uma nova
epistemologia da prática e relevar a formação de um profissional reflexivo,
refletindo justamente sobre a formação inicial deste.
A CRISE DE CONFIANÇA DA
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
A
crise de confiança no conhecimento profissional corresponde a uma crise
semelhante na educação profissional. Se as profissões especializadas são
acusadas de ineficácia e inadequação, suas escolas são acusadas de não
conseguir ensinar os rudimentos da prática ética e efetiva. Juízes criticam que
advogados não são bons no que fazem.
As faculdades de educação são as mais
criticadas. Uns culpam os outros. E assim por diante. Por trás de tais críticas,
está uma versão do dilema entre o rigor e a relevância. O que aos alunos mais precisam
aprender, as escolas profissionais parecem menos capazes de ensinar. E a versão
das escolas do dilema está enraizada, como a dos profissionais, em uma
epistemologia da prática profissional pouco estudada- um modelo de conhecimento
profissional implantado em níveis institucionais nos currículos e nos arranjos
para a pesquisa e para a prática. As escolas profissionais da universidade
moderna, dedicada à pesquisa, estão baseadas na racionalidade técnica.
Seu
currículo normativo adotado inicialmente nas primeiras décadas do século XX ,
quando as profissões especializadas buscavam ganhar prestígio, através do
estabelecimento de suas escolas em universidades, ainda incorpora a ideia de
que a competência prática torna-se profissional, quando seu instrumental de
solução de problemas é baseado no conhecimento sistemático, de preferência científico.
(Schön 2002)
Assim o currículo profissional
normativo apresenta em primeiro lugar, a ciência básica relevante, em seguida,
a ciência aplicada relevante e, finalmente, um espaço de ensino prático no qual
se espera que os estudantes aprendam a aplicar o conhecimento baseado na
pesquisa aos problemas da prática cotidiana.
VIRANDO O PROBLEMA DE
CABEÇA PARA BAIXO
“É
impressionante o fato de que o desconforto em torno do conhecimento
profissional persista, mesmo que alguns profissionais tenham excelente
desempenho em zona indeterminadas, cuja importância está aprendendo a
reconhecer.” Há profissionais muito competentes em suas áreas, mas o autor
considera como “perspicácia”, “intuição”,” talento artístico” alegando que a
questão do relacionamento entre competência profissional e conhecimento
profissional precisa ser virada de cabeça para baixo. Isso é revista.
A perspectiva da obra de
Schön começa com as seguintes premissas:
- Há um núcleo central de
“talento artístico” inerente á prática dos profissionais que reconhecemos como
os mais competentes.
-O talento artístico é um
exercício de inteligência, uma forma de saber, embora possa ser diferente em
aspectos cruciais de nosso modelo- padrão de conhecimento profissional. Ele não
é inerentemente misterioso, é rigoroso em seus próprios termos, e podemos
aprender muito sobre ele – dento de que limites devemos trata-los como uma
questão aberta.
-Através do estudo
cuidadoso das performances mais competentes.
No terreno da prática profissional,
a ciência aplicada e a técnica baseada na pesquisa ocupam um território
criticamente importante, ainda que limitado, que faz fronteira em muitos lados
com o talento artístico.
Há uma arte da sistematização de problemas, uma arte da implementação e
uma arte da improvisação- todas necessárias para mediar o uso, na prática, da
ciência aplicada e da técnica.
O QUE ESTÁ POR VIR
Schön explorou um pouco das
tradições desviantes da educação para o talento artístico e desenvolveu, a
partir delas, uma visão geral a que chamou de ”ensino prático reflexivo”- um
ensino prático voltado para ajudar os estudantes a adquirirem os tipos de
talento artístico essenciais para a competência em zonas indeterminadas da
prática. Argumentou que as escolas profissionais devem repensar tanto a epistemologia
da prática quanto os pressupostos pedagógicos sobre os quais seus currículos
estão baseados e devem adaptar suas instituições para acomodar o ensino prático
reflexivo como um elemento-chave da educação profissional. A parte dois da obra
de Schön foi dedicada exclusivamente ao ateliê de projetos, o que não é objeto
deste estudo.
O PROFISSIONAL REFLEXIVO SEGUNDO SCHON:
Todos nós refletimos na ação e sobre a
ação, e nem por isso nos tornamos profissionais reflexivos. É preciso
estabelece a distinção entre a postura reflexiva do profissional e a reflexão episódica
de todos nós sobre o que fazemos. (Perrenoud 2002).
Visando chegar a uma
verdadeira prática reflexiva, essa postura deve se tornar quase permanente,
inserir-se em uma relação analítica com a ação, a qual se torna relativamente
independente dos obstáculos encontrados ou das decepções. Uma prática reflexiva
pressupõe uma postura, de forma de identidade, um habitus. Sua realidade não é
medida por discursos ou por intenções, mas pelo lugar, pela natureza e pelas consequências
da reflexão no exercício cotidiano da profissão, seja e situação de crise ou de
fracasso seja em velocidade.
De certa forma, ele revitalizou
e conceituou mais explicitamente a figura do profissional reflexivo ao propor
mais uma epistemologia da prática, da reflexão e do conhecimento na ação. Mais
de 20 anos depois de seus primeiros trabalhos em parceria com (Argyris (Argyris
e Schön, 1978) , a idéia deixou de ser nova e tem inspirado inúmeros estudos e
procedimentos de formação tanto nos países anglo-saxões, quanto em outros
lugares.
Mas aí dizer que demos uma volta
completa em torno do paradigma reflexivo e retornamos a ele implicaria a
aceitação de que há apenas um passo que alguns poderiam se sentir tentados a
dar, sobretudo no mundo de língua francesa, que atualmente parece fascinado por
outras palavras-chave: bases de conhecimento, especialidade, metacognição,
análise das práticas e do trabalho, ação comunicacional, desenvolvimento de
competências.
Parece que nenhuma delas invalida a
idéia de profissional reflexivo como paradigma integrador e aberto
CONCLUSÃO:
Schön afirma que a
reflexão implica a imersão consciente do homem no mundo da sua experiência,
permeada por um contexto sócio-cultural. Ao refletir dentro das próprias
relações sociais- interferência na prática e sua modificação- e por outro lado-
refletir a prática e praticar a reflexão - e através dessa dinâmica permitir a
construção de um novo saber. Portanto, a prática não é só do objeto da
reflexão, é também objeto de ressignificação. Nesse sentido, essa reflexão é
condicionada a um determinado tempo e suas representações, na qual está inserida.
É claro, diante da análise, percebe-se a dificuldade da efetivação da reflexão que
se pretendeu fazer neste estudo.
Referências Bibliográficas:
Schön, Donald A. Educando o Profissional
Reflexivo: um novo design para o Ensino e a Aprendizagem, Artmed. Porto alegre,
2002.
Perrenoud Philippe, A Prática Reflexiva
no Ofício de Professor Profissionalização e Razão Pedagógica. Artmed, Porto
Alegre,2002.